terça-feira, 31 de março de 2009

A escolha

- O poder da escolha está em mim ou está em ti?
- Jogue tudo para o alto então!
- Mas e depois?
- Depois não há nada, não existe nada, só o breu.
- O breu nem sempre é prejudicial. É no breu que encontramos a luz.
- A luz está onde você quer que ela esteja. Simples assim.
- E a maldade mundana também.
- E será que o futuro um dia chegará?
- A pergunta deve ser outra: vamos ficar esperando ele chegar?
- Eu não, e você?
- Não sei, estou em dúvida. É tão duvidoso viver.
- E é tão insano decidir, você não acha?
- Claro! Decidir e escolher. Escolha viver e decida o tempo todo.
- Então quero ser um expert em decisões.
- Ah, mas isso é ser muito idealista. Você nunca será o rei das escolhas.
- E o rei de mim mesmo?
- Jamais igualmente.
- Mas há sentido em vivemos de talvez e jamais?
- A revelação está em você, simplesmente.
- Que revelação?
- A de que eu falei na semana passada, tão desabaladamente que você nem prestou atenção.
- Eu não presto é para nada, homem!
- Você é quem está dizendo...

sexta-feira, 27 de março de 2009

A mulher das argolas

Ufa. Acabou. Mesmo depois de ter corrido que nem a Lola pela rua Tabapuã para vencer o tempo e o atraso, finalmente cumpri o que tinha de cumprir. Fiz o que tinha de fazer. E ainda por cima corri mais um pouquinho. Um ponto a mais para meu período saúde, saúde, saúde.

Mas o que me deixou perplexo mesmo foi aquela motorista no ônibus. Minha nossa! Ela era muito bonita para estar ali. Primeiro que a gente quase nunca vê mulheres dirigindo ônibus. Segundo que quando a gente vê, elas não são tão bonitas e delicadas assim. Pois ela era. E era bem engraçado ver a expressão das pessoas, sobretudo dos homens, quando entravam e se deparavam com ela ao volante, com suas grandes argolas brilhantes nas orelhas, o cabelo escuro e liso e luva preta na mão que empunhava o sistema de marcha do veículo.

Eu amo as mulheres, mas preciso confessar: naquele ônibus lotado, havia espaço de sobra para todo o despeito de algumas delas em relação à motorista. Uma moça boquejou: "Eu tento defender a categoria, mas ela não está ajudando". Só por quê o veículo teve um problema mecânico numa das subidas? Ah, faça-me o favor, minha senhora, e controle a inveja, pois ela mata, viu!

Mas o que ficou enfatizado mesmo foram os olhares e suspiros masculinos, que podem ser resumidos na onomatopéia Uia!

Arrasou mesmo, motorista. Volte sempre! Foi um prazer.

quinta-feira, 26 de março de 2009

Um galho solitário

As estrelas cintilavam mais do que qualquer diamante do mundo inteiro, mesmo naqueles lugares nunca antes inundados pelo ar humano. Quer dizer, elas cintilavam bastante sim, mas eu só fiz a comparação porque elas raramente brilham assim aqui na cidade grande. Ou a gente raramente as percebe sob olhares mais atentos e aguçados.

E enquanto a luz amarelada do poste tingia a rua com sua penumbra disfarçada de borrões indistintos, a pequena árvore sem galhos tremulava para lá e para cá naquela noite friorenta e despida. Tão despida quanto a própria árvore, que perdeu suas folhas algumas semanas antes. Não, não foi a natureza, foi a mão do homem mais uma vez. Tanta sabedoria e tanta vilania podem coexistir em uma espécie só?

Você não viu aquele pequeno tornado que se formou ali? Mas minha nossa! Isso nunca aconteceu por aqui! Pois é, minha filha. Mas você sabia que se ele atingisse aquele prédio gigantesco ali poderia causar uma destruição de até dois quilômetros?

...

E a árvorezinha continua a morrer de frio na alma a cada dia que fica ali sob a luz amarelada da lâmpada do poste.

quarta-feira, 25 de março de 2009

Um livro

As ondas sonoras notadamente marcadas pelo piano e por uma voz suavemente eufórica por emocionar me fazem tremer nas bases, mas também me fazem acreditar cada vez mais que eu tenho o poder de transformar o que chamam de destino. De intervir. De cutucar. De pôr o dedo mindinho na ferida exposta. De escrever um livro.

Eu quero escrever um livro. E querer já é alguma coisa, ou não? Você consegue me dizer que não? Por quê você não escreve um também? Não dizem que essa é uma das coisas que devemos fazer durante a vida? Então faça. Ou pelo menos sonhe que escreveu uma obra tão sádica quanto a própria vida. Tão serena quanto o próprio pôr-do-sol. Tão exultante quanto um beija-flor bebericando em uma flor do jardim. Sonhe que está sonhando. E a vida já terá valido a pena. [Odeio esse meu lado auto-ajuda. Mas é uma auto-ajuda só para mim. E daí?]

O que estará escrito no meu livro? Quantas páginas terá? Haverá desenhos? Ih, lembrei agora de um amigo da escola - eu devia estar na sexta ou sétima série do ensino fundamental - que não gostava de livros sem figuras e ilustrações. Ele mesmo subestimava a imaginação, não deixava ela alçar voos por aí. Eu deixo a minha fazer o que bem entender. E é por isso que estou aqui. Para anunciar:

Eu vou escrever um livro. Acredite!

terça-feira, 24 de março de 2009

Resiliência...

... é um termo utilizado para definir a capacidade de passar por experiências adversas sucessivas sem prejuízos para o desenvolvimento. Mesmo que os olhos ardam intensamente e a cabeça funcione como um turbilhão de imagens durante um sono agitado e molhadamente febril? Mesmo que a dor lancinante tome conta do corpo inteiro sem dar descanso nem mesmo para a mente? Mesmo que eu já não compreenda o que é estar num lugar sem poder desfrutar dos prazeres e valores inalienáveis ao espaço físico e psíquico?

Mesmo que a Igreja pregue uma missa para os moradores de rua na RUA em frente ao templo de hipocrisia? O absurdo estava tão perto de mim que parecia surrealmente assustador. Não queria acreditar no que via, ouvia, sentia. A infâmia da cena me fez desacreditar ainda mais nas instituições que promovem a culpa prometendo a redenção do espírito. Blá!

Os corpos correm e se agitam a minha volta e eu não posso tocá-los, nem mesmo em minha imaginação. E muito menos na imaginação daquela velhinha que sonha com a volta dos peixinhos vermelhos pulando em seu barco - num rio que atualmente é mais imundo do que a corja de políticos e politicagens.

Sereno e objetivo. Cruel e espantado. Debruçado e desabitado. Transformação e resiliência. Esta última terá que passar de termo para ação na vida diária e loucamente desbundada. Mas são apenas duas décadas de dores e desejos, o que você quer que eu faça?

terça-feira, 17 de março de 2009

Para um rosto sem nome...


Para um nome sem rosto... Para um olhar desconcertante e suplicante. Para mim e para você. Para a expressão 'um dia'. Para o príncipe e a princesa encantados. Para o universo em chamas. Para um corpo desprovido de preconceitos. Para uma alma branda e singela. Para você.

Um olhar desconcertado.

domingo, 15 de março de 2009

Pai

Um exemplo de vida. De luta. De saber. De garra. De dar o sangue pelos filhos. De ser determinado ao ponto de não entregar os pontos jamais. De sangue quente e bem baiano. Ele andava pela rua e não se desmanchava em nenhum momento. Sempre levou a família com muita sabedoria. Sua barriguinha de chopp denota que o tempo passou e que continuará passando. Suas brincadeiras e seus abraços são tão aconchegantes e estovados que me fazem feliz por longuíssimos instantes. Quando ele chega tudo se ilumina. É sério. Isso é muito clichê, mas é a pura verdade, mesmo que não exista verdade pura. A única coisa que sei é que ele existe, para sempre em mim, para sempre em meus gestos. Sou parecido com ele de tempos em tempos. Sou ele de tempos em tempos. Me espelho nele sempre. Porque ele é ele e ninguém mais [ó, que profundo]. Caminhando na rua pela madrugada, lembrei que hoje era seu aniversário. Olha como o tempo se mostra razoavelmente cruel! Ontem ele estava se casando e dando início a esta linda e unida família, e hoje já está completando fugazes 47 anos. Quando chegou na grande cidade, sabe qual foi a primeira coisa que fez? Rodou todas as escolas do bairro para encontrar vagas para os filhos. Quer exemplo melhor do que esse? Detalhe: ele não teve oportunidades e estudou apenas até a 4ª série. Acho que com esse exemplo consigo dar uma leve noção do que ele representa, do que ele é, do que ele faz, do que ele constrói, do que ele exala, do que ele exalta, do que ele valoriza, do que ele vive, do que ele sonha, do que ele almeja, do que ele busca, do que ele vê, do que ele ama. E do que ele vai viver pelos muitos anos que tem pela frente... pela frente das dificuldades e alegrias que ainda o esperam.

quinta-feira, 12 de março de 2009

A moça apaixonada

A moça estava lá. Apaixonada. Ria sozinha. Se entretinha sozinha. Se exaltava sozinha. Sentada ali, exultava de alegria. E eu tentando imaginar de onde viria tanta felicidade. Ela também ouvia música. Será que era a música que a deixava daquele jeito? Depende da música, é claro. E eu imaginando como era bom aquilo. Não sabia se ela estava realmente apaixonada, mas me fez lembrar como é bom sentir isso. Me fez lembrar porque faz muito tempo que não pego uma rosa na mão. Que não enlouqueço o arco-íris dentro de mim mesmo. Dentro de ti. Dentro do universo. Mas me deixou feliz vê-la daquela forma sabia? Ela parecia não conter dentro de si de tanta felicidade. E eu pobre mortal imaginando a próxima vez que me sentiria daquela forma. As pessoas me emocionam. Olhar seus atos me emociona. Olhar seus olhares me emociona. Olhar seus gestos me emociona. Suas escolhas. Seus erros. Seus acertos. Suas memórias. Suas expectativas. Na rodoviária do Tietê me sinto eu, me sinto só, me sinto pertencente a um mundo que nem sempre é meu, me sinto presente, me sinto igual, me sinto só. Somente compartilhando aquele momento único de olhar e ver que aquilo não passa da essência da vida impregnada de mais vida ainda que implora cada vez mais pela vida que explana daqui e dali e não se cansa de regurgitar diante dos meus pés. A vida. Taí, a vida me transtorna de tal forma que começo a ouvir a chuva lá fora. Houve chuva. Há chuva. Em mim. É passageiro. Um relâmpago na minha vida efêmera.

quarta-feira, 11 de março de 2009

Espernear

Um ser andante e apaixonado pela lua... eis o que sou. Eis o que pretendi ser durante muito tempo, até conseguir. Até canalizar minhas energias para projetos nunca antes navegados. Tudo isso foi tão custoso que pode-se comparar ao sangramento de uma vaca na hora do abate. Muito suor rolou. Muita preocupação. Muita insatisfação. Muita doutrinação das minhas vontades inimagináveis. A construção de um repertório depende mais do querer do que do ter propriamente. A propriedade do intelecto é só sua e de mais ninguém. Quem será audacioso o bastante para roubá-la de ti? De mim e de nós? Eu duvido.

Estava pensando sobre o ceticismo da vida, sobre a obra não acabada todos os dias. Ou você deita sua cabeça no travesseiro e pensa: 'nossa, hoje eu fiz tudo o que eu queria fazer'. Acho difícil. Sabe por quê? Porque somos demasiadamente insatisfeitos, e talvez aí resida o segredo de viver. De estar aqui. Ou ali. De permanecer. De correr. De ficar a ver navios. De não se mover. De se resignar. De lutar. De chorar. De não dormir. De gritar. De espernear. De beijar. De 'fazer amor'. De transcender. De duvidar.

Mas o que passou, passou, dizem os mais desavisados. Mas e aquela velhinha que estava na calçada esperando o semáforo fechar para conseguir atravessar a rua? Alguém se importou? Alguém lhe estendeu a mão? Alguém sequer olhou? Eu olhei, sem demagogia e pedantismo. E estendi meus dedos finos em sua direção, no que ela me deu presente um lindo sorriso de agradecimento. Pequenos gestos podem conter grandes acontecimentos.

É verdade. A minha verdade ou a sua. Não importa. A verdade nem sempre é a melhor parte do dia.

terça-feira, 10 de março de 2009

Intensos

Apago tudo o que não me é mais conveniente. Apago até minha aparição de vez em quando, porque eu mesmo não me acho conveniente às vezes. Você já se sentiu inconveniente?

Mas estou tão intenso nos últimos dias que mal caibo em mim. Acordo até feliz. Sem preguiça. Trabalho até feliz. Mesmo pela manhã, quando a moleza toma conta até do cérebro. Que curioso!

O ronco não é nada mais do que eu enrustido em meus pensamentos profundos durante os sonhos mais loucos. Eu estou lembrando nos últimos dias. E isso é ótimo. Mas eles são tão frágeis quanto você. Quando menos espero, já se foi. Já fui. Já não estou. Já não lembro. Já não sonhei.

segunda-feira, 9 de março de 2009

Breu

As árvores passam. As janelas também. As portas também. Eu também. A cabeça vai longe. Não consegue parar por ali. Muito menos por aqui. Sem eira nem beira, e muito menos ponto, ela vai divagando por entre espaços que só ela conhece, e que não conta para ninguém, pois às vezes ela é um pouco egoísta. Assim como você e eu.

No breu.

sexta-feira, 6 de março de 2009

Sobre mim

Tantos dias se passaram. Mais de 150. Quanto será que dá isso na caminhada por aquele trecho? Subi para ver a lua e ela logo se mostrou fogosa. Não deu para segurar as lágrimas. A emoção. Sobre mim e sobre ela. Uma nuvenzinha naquela noite queria esconder a sua beleza, mas logo foi rechaçada. Sem dó nem piedade. Os acordes do piano. Sobre mim. As notas musicais. Sobre mim. A música pecaminosa e prazerosa. Sobre mim. As sensações que reverberam em meus ouvidos e em meus instintos. Sobre mim. E as frases fogem de mim como o diabo da cruz ou os insanos dos remédios para curar a loucura. Sobre mim. As camisas de força. A força das camisas. Sobre mim. O que dizer mais sobre mim? Nas entrelinhas, tudo é revelado. Tudo. Não duvide. Tudo. Tudo. Tudo. Cada retalho daquela colcha foi feito e refeito por mim. Cada grão daquela imensa duna me representa. Me é. Me impregna. Me chora. Me contorna. Me evanesce. Me transborda. Me fuma. Me cheira. Me transcende. Me desarma. Me amedronta. Me move. Me nega. Me espanta. Me enoja. Me confunde. Me surpreende. Me sustenta. Me eleva. Me poetiza. Me tritura. Me conhece. Me convence. Me rodeia. Me beira. Me margeia. Me sofre. Me alimenta. Me empurra. Me sufoca. Me satisfaz. Me fortalece. Me formiga.

Me é.

quarta-feira, 4 de março de 2009

Passageiro

Ele olhava pela janela... e pensava:
- Quanto tempo será que vou viver?
- Quanto tempo resta para ser feliz?
- O que é o tempo?
- Aquela florzinha ali vai durar até quando?
- E aquela árvore?
- E você?
- Todos correm lá fora.
- Minha mente corre.
- A sua corre?
- Em qual velocidade?
- O mundo é só mundo depois que foi desmundado de si mesmo.
- Que pensamento louco!
- Mas ser louco é tão saudável.
- Mas se você fosse louco não ficaria espalhando aos quatro ventos...
- Mas é só olhar para mim...
- Sinta esta sensibilidade exaltada aqui em minha veia.
- E em meus dedos, que não se submetem ao sono.
- Eles transitam por aí sem parar. Sem cansar.
- Assim como a mente. Que povoa tantos lugares, que nem percebemos quando isso acontece.
- Mas o que são os acontecimentos?
- É quando a gente nasce.
- Estreia?
- Também.
- Nasce e estreia.
- Mas isso é bem gay, não?
- Não. Lá na minha terra, a gente costuma dizer que simplesmente estreamos.
- Vocês?
- Sim. Somos um povo sensacional.
- Que legal. Quero conhecer este lugar.
- Então me conheça primeiro.

terça-feira, 3 de março de 2009

Ele consegue...

Arrancar lágrimas só de ouvir sua voz. Seu timbre me entorpece de tal forma que eu perco os sentidos e a noção do que estou fazendo no mundo. Ele canta com o coração e com a alma, e consegue se aproximar do mundo, do meu mundo, de forma avassalaradora, sem pedir licença. Mas para quê? Com esta emoção desabrida e cumplicidade terna quem ligaria se ele entrasse por aquela porta sem se anunciar, sem dizer que está chegando, sem dar sinal... Há muito tempo ninguém conseguia me levar para lugares que ele me leva. É tão difícil colocar em palavras os sentimentos que nem sempre são dizíveis... Os acordes tempestuosos e tranquilos me invadem intensamente, derrubando todas as minhas defesas pré estipuladas. Não é um novo amor, mas bem que poderia ser. O amor que muitas vezes é incompreendido por aí e por aqui também. O amor que muitas vezes esquece de acontecer aqui e aí. O amor que muitas vezes é banalizado como a roupa em liquidação. O amor que muitas vezes significa um olhar de solidariedade. O amor que muitas vezes é melodramático. O amor que muitas vezes é só o amor. Que move montanhas e vai até Maomé. Ou quem quer que seja. Então venha até mim e mostre a sua emoção. É só o que peço. Você não terá outra chance.