sexta-feira, 31 de outubro de 2008

Sussurros

Sussurros maledicentes
Murmúrios de gozo
Sacolejar de brisas
Durar de durões
Sugar o suposto sol
Torrar as torres
Do açúcar, o mel
Do nada, o começo
O rebombear de risos
O chapelão de chafariz
As garras de gari
Os solos da pátria mãe
A música das paródias
O desperdiçar de corpos
O joio enjoado
A metade do sabão
O lance mais perfeito
A beleza de não ter
O salão do baile funk
A curtição do fim
O esplendor da morte

quinta-feira, 30 de outubro de 2008

Os passos do velhinho

Hoje eu ouvi coisas. Você também?
O velhinho caminhando
A pomba morta nos trilhos
Os passos firmes, duros e moles
A biscate na rua no seu trabalho diário
O mascate vendendo os seus produtos
A doméstica esfregando o chão
O giz correndo pelo quadro negro
Que não tem nada de negro
O bairro acordando depois da noite chuvosa
A cigarra se esgoelando de alegria
O sol despontando acima do monte
O orvalho despregando das folhas
O cotidiano repleto de odores
Antes, a neblina se fez presente
A Lua se escondia de sono
De novo, toda a gente trabalhava
Os dias de festa estavam próximos
Tudo. Tudo era mais dinâmico
Sem vírgulas nem pontos finais
A psicografia foi levada tão a sério
Que os humanos se esqueceram
De que a vida ainda é primordial
E passaram a viver sempre através
De vultos.

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

Ânsia

Ânsia de ansiedade que mais parece um jatinho em sua velocidade mais extrema. Assim sou eu hoje, com um monte de caraminholas na cabeça. Ela está a mil quilômetros por hora e não consegue parar. E vai lá e volta cá. Está impossível. Descontrolada. Desvairada. Que vai dar certo, até eu sei. Mas por que tem que ser tão difícil? A cada dia um novo respingo de imprevisto. Mas tá demais viu!

Pode vir. Estou pronto. Digo e digo de novo: VAI DAR CERTO.

Quanto menos se espera a esperança se enerva em você!

terça-feira, 28 de outubro de 2008

Eu e os outros

É 25 de outubro. Preciso repensar o eu com os outros. Será que não me mostro importante ou a culpa é deles? A atenção é tão difícil assim de ser conseguida? Preciso me sentir premiado toda vez que alguém esboça um olhar cheio de vontade de atenção? Andei pensando isso nos últimos dias. Começo a perceber, aos poucos, que terei que me amar loucamente. Não há outro jeito. Vou ter que me entregar inteiramente a mim para querer pertencer a outras vidas.

Os parcos escritos de hoje estão repletos da contundência do meu ser.

Reticências...

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Trecos

O tempo. O toque. O tanto.
Telepatia. Tirada. Testa.
Tomate.
Tristonho. Trivial. Treva. Torpe.
Tosco. Tostado.
Tosqueado. Totalizado.
Trina. Trevo. Travalíngua.
Ti-ti-tis. Trama. Truculento. Trespassado.
Trilegal. Tiro.
Televisão.
Temor. Tiara. Testes. Tartaruga.
Temeroso.
Tempero. Testemunho. Travessa. Truncado.
Tamarindo. Telégrafo.
Telefone. Título.
Titubeante.
Tiradentes. Tinhoso. Telemarketing.
Tomaras.
Tigre. Tatu. Tebas. Tijela. Toldo. Tonto.

Torresmo. Triturado. Torcido. Ter.

À porta de casa, um garotinho comia um formidável cachorro quente.

sábado, 25 de outubro de 2008

O espirro

Ele foi atirado ao longe
E provocou risadas convulsivas
Mas não perdeu a eira nem beira
Ninguém desejou saúde

O fôlego também não se conteve em si
Buscou novas formas de respirar
Na cidade já não dava
A poluição imunda

Víbora jogou seu veneno ao relento
A Lua bronzeou ainda mais a pele negra linda
O céu destoou do que havia de mais azul
E a natureza impossível e bela como sempre

Sei lá como tudo se deu
Só sei que deu e foi bem dado
Registrado e marcado com vontade carnívora
E o balancear continua a mover o requebrado

O prolongamento do sol abriu novos olhares
Depois do arco-íris, tem a minha íris
A doarei para a humanidade enxergar melhor
Me doarei de alguma forma. Como?

O sobe e desce impaciente
As dicas demonstradas tão claramente
E as dúvidas sendo saciadas na alcova
E o orgasmo invadindo suas têmporas

A temperança do tempero temeroso
Do tempo que destampado
Tonteou, e o tino tirado de todos
Tateou o tamanco na travessa...

sexta-feira, 24 de outubro de 2008

Não me pegue! Hoje eu quero ser só [m]eu...

Tô me sentindo cheio de mim e quero enchê-lo um pouco com minha alegria transbordante e meu sorriso inebriante.

Reticências... Longa lacuna.

Estou bêbado da minha consciência. Agora há pouco a questionei e a felicitei por estar comigo nesses momentos racionais e fascinantes. Sou eu. Consigo me enxergar. Me sentir. Me apoderar de mim mesmo e alegrar o meu ser por ser eu mesmo e mais ninguém.

A letra mudou. Eu mudei. Estou sob o efeito do mais pungente sentimento de pertencimento ao corpo e à existência que habita nele. Os olhos regurgitam de palpitação apenas pela percepção de que estou aqui. E sou e sinto. E transpiro coisas boas e ruins. Mas o quê ou quem as definem?

Elas, as perguntas, ainda continuam firmes e fortes, e acredito piamente que sejam a minha constituição básica. Mas talvez você esteja se perguntando por que eu sou tão importante e escrevo tanto sobre mim. Não sou eu nem meus eus que vão te responder, pois eles não trazem explicações. Somente questionamentos latentes de uma alma errante, errada e redentora de suas próprias razões.

As características foram delineadas e compostas por densas beldades chamadas ardores e estertores do comichão que percorre o ser desde o calo do pé até os ferimentos da mente. Os dedos doem, mas a vontade segue galopante na sua luta contra o abatimento e a conformidade da vida.

O grupo talvez se desfaça e eu seja apenas eu. Mas a certeza prevalece. Não é a certeza de nada e o nada é arrematador. Ele te fere a fogo e joga as brasas para trás.

Lá no fundo de tuas abdicações terrestres.

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

Liberdade e Paraíso

A Liberdade é chegar ao Paraíso ou o Paraíso é chegar à Liberdade? A santidade está debaixo das minhas calças ou das suas? A auréola foi feita apenas para adornar ou tem um duplo sentido? A poluição está nas mentes ou ainda não conseguiu perfurá-las? As nomeações são importantes ou servem apenas para designar tediosos pódios e hierarquias?

A pergunta é uma forma de calar ou de espantar as explicações? Não o sei, por isso pergunto. Está claro que nada é tão clarividente a ponto de prever o futuro. Se ele é construído e desconstruído a cada dia, como podem ler minha mão e dizer que tropeçarei na esquina seguinte? Agora uma coisa é certa: eu sou capaz de ler o meu futuro. Você está rindo né? Não ria, eu aconselho. A eterna edificação do amanhã só depende de nós. As pessoas precisam perceber isso. Pra mim é uma coisa tão óbvia! E é preciso delatar também: muitas coisas nos impedem de enxergar. E a cegueira é triste.

A igreja.

As rimas podem ser feitas por todos. A poesia também. Bastam sensibilidade e atenção para o que é essencial. Aliás, o essencial e a essência são tão particulares que apenas uma mente pode descrever e instituir: isto é poesia para mim. A poesia nada mais é do que a descrição dos nossos ‘eus’. E não importa a forma com que ela seja expressa.

A irritação e mal-humor toldam os melhores sonhos e empobrecem o dia-a-dia, que não conseguem se tornar noite, pois é o preço que se paga: viver eternamente na intranqüilidade dos aflitos por nada. É tudo tão rápido e avassalador e nós, que somos uns bobos, achamos que está tudo tão lento. Nem a nossa justiça é lenta. Não é brincadeira. Falo sério.

O Brasil.

A mão esquerda tremelica. Está doida coitadinha. Eu hein!

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Pequenos e grandes

Pequenos grandes momentos me roubam sorrisos inocentes, porém gostosos. Faça noite ou faça dia, estou sempre ligado na energia que emana do povo ao redor, ou de apenas um objeto que chame a atenção. É preciso estar atento para as simplicidades da vida. As grandes coisas podem e devem ser almejadas, mas as pequenas não serão esquecidas, pois elas não cobram tanto e retribuem muito mais.

A avalanche me toma e eu vou descendo junto com ela morro abaixo. Não há neve, apenas anseios que nunca são alcançados, apenas sonhados. Cansei. Uma atitude é preciso, urgente. Já. É preciso ter muita coragem para viver nesse mundo, é preciso ter culhões, mesmo que não seja fisicamente. Mesmo com todas as batalhas, ninguém o derruba de seu pedestal onde firmou bem os sonhos e os desejos.

Pode parecer bobagem, ciúmes talvez. Pessoas. Ah, as pessoas. Quanta complexidade, quantos sentimentos, emoções, digressões, reflexões. Ramificações. É uma grande rede de conexão onde quem ficar de fora perde a vez de ser feliz. Não pode ser deixado pra trás, não deve, não espera, não fortalece. A idéia ficou jogada como se fosse um mendigo que todos olham, mas ninguém enxerga mais.

A amargura é o pior estremecimento que pode haver, pois vai degringolando toda a estrutura que irradia de uma alma. Num repente já não há mais alma, apenas um amontoado de nada a circular por aí.

Por isso, continuo a acreditar que eu sou capaz de mudar o meu instinto. Não controlá-lo, mas sim domesticá-lo ao meu favor e da humanidade. Civilizado? Nem um pouco. Canso de dizer e esbravejar que necessito de desordem. De crises. Afinal de contas, o que seria de meus pensamentos se estivesse tudo na mais santa paz celestial?

Sabe de uma coisa? O céu deve ser um grandessíssimo tédio.

terça-feira, 21 de outubro de 2008

Encantado

Árvore. Natal. Luzes
Explosão. Fogo. Raios
Vazio. Deserto. Branco
Mar. Oceano. Chegada

Aparição. Virgem. Quente
Chuva. Pingos. Vendaval
Nove. Números. Navios
Redondo. Mundo. Galáxia

Príncipe. Esperança. Encantado
Luxúria. Cegueira. Gula
Fruta. Gostoso. Lembrança
Palavrão. Raiva. Descarrego

Pedido. Murmúrio. Lamento
Distração. Invertido. Viés
Sentidos. Imagem. Exploração
Dor. Feridas. Angústias

Degustação. Atenção. Suspiro
Final. Começo. Sílabas
Diagrama. Detenção. Emotivo
Caminho. Letra. Livro

Já! Férias...

segunda-feira, 20 de outubro de 2008

O maior pecado


O maior pecado? Estou cometendo ainda. Faz mais de um mês que não boteco com minhas amigas especialíssimas. A rotina diária e maculada de ruídos estressantes está tomando todo o meu tempo. Ahhhhhhhhh. Isso é um pecado imenso. Ficar sem a presença de pessoas especiais por causa dessa loucura de vida rotineira! Não pode! Deveria ser crime na Constituição Brasileira!

Ó, estou tão sem tempo hoje que mal dá tempo de elaborar mais palavras. Ainda é segunda e a mente já pede descanso, mas sabe que a semana vai ser cansativa. E continuarei sem botecar. Faz tanto tempo, que nem sei mais o que é isso.

Dor nas juntas. Foram juntadas num só exemplo e a figura montada não lembrava nada, pois sou vazio se não tiver amigos por perto. Eles são a família que escolhi, como diz uma amiga também especial.

Um momento...

domingo, 19 de outubro de 2008

Sábado inédito

Foram todos exibidos naquela espécie de plástico branco. Criava-se ali um momento exclusivo e emocionante. Era o cinema na praça. Lacrimejando, meus olhos lembram-se daquelas cenas e ângulos em foco naquela noite nublada e com a chuva anunciando uma festa interrompida. Não foi o que aconteceu. São Pedro deve ter segurado um pouco o desabamento de suas lágrimas, ou talvez tenha se emocionado também e, por isso mesmo, tardou jogar seus pingos d’água sobre o povo.

Fico numa contradição só ao perceber que me faltam palavras para descrever aqueles instantes de comunhão e multiplicação de risadas, sonhos, olhares atentos e expectativas pelo próximo filme. As palmas pipocavam aqui e ali e as pipocas eram distribuídas gratuitamente. Ah, mas eu tô com vontade é de fazer poesia. Versos e mais versos. Poeta em construção ou a construção de um poeta? Talvez nem um nem outro. Apenas um homem querendo expressar seus mais íntimos desejos. Para si mesmo, principalmente, porque eu não posso me desgrudar de mim. Felizmente.

As arquibancadas? Não foram doadas
O escurinho? Foi proporcionado pela noite nublada e cálida
E os espectadores?
Muitos passavam por ali e se depararam com o diferente
O novo sendo mostrado e apresentado de forma tão simples e contundente
Resvalou nos olhares presentes
O reflexo das cenas fictícias e delatoras
Da realidade exacerbada na mente de cada um
Alguns bancos foram tomados rapidamente
Todos se acomodaram para viajar na tela, não tão gigante, mas quem liga?
José diz que depois de 28 anos poderá dizer que foi ao cinema no próprio bairro
Na hora incerta, todos aceitam o convite para embarcar
E seguem admirados pela tecnologia e acontecimento
Palmas e mais palmas reverenciam a projeção de sonhos
A projeção de imagens nas quais se identificam muitas vezes
Em outras tantas, é possível ver balõezinhos saindo de suas cabeças
Minha nossa, as pessoas estão sonhando acordadas!
Quem foi que disse que era proibido sonhar?
Quem foi que disse que era pouco ou quase nada?
Quem foi que disse que não era possível?
Quem foi que disse?
Com certeza, não foram aqueles espectadores
Pois estavam inebriados pela luz
E comovidos por perceberem, de repente
Que a vida deles é só deles
E o filme também.
Serão os próximos a serem projetados nas telas
A contar suas histórias...
E olhares.

sábado, 18 de outubro de 2008

Periferia, o filme

O filme transformado em realidade na periferia distante dessa cidade gigante, que agiganta e multiplica coisas boas e ruins, mais as ruins dos que as boas. Mas não importa. Sabe por quê? Porque a ficção já não é mais só ficção, está nas caras e olhares daqueles que mal percebem que estão participando de um momento inédito na história da vila. Eles serão lembrados no futuro, que ainda não se sabe ao certo se virá, mas é o fim que norteia nossas ações e também a falta delas. Mas não vai faltar não, não mesmo, pois enquanto tiver gente disposta a pôr a mão na massa, o sonho ainda se mantém, a vida ainda floresce nos recantos mais inacreditáveis.

[Continuo logo depois... Muitos acontecimentos e emoções estão por vir ainda hoje.]

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

O disparo do desespero

O desespero é mero reflexo de decisões precipitadas ou tomadas tardiamente. A mente é um ser em si mesmo, não dando lugar a interferências autoritárias e sem pé nem cabeça. Linda como só ela, não admite que remexa tanto com sua condição de calmaria e ebulição. Esses dois sempre conseguiram conviver em harmonia, mas sem pressa nem desacordos com o tempo. Não é preciso bater a cabeça na parede, tudo entra nos seus conformes. Se for para entrar, claro.

A recepção de mensagens subliminares provoca certa apreensão e receio, mas nada como uma boa noite de sono e o belo café da mamãe para reconfortar as idéias e fazer surgir um novo entusiasmo, mesmo que a manhã esteja chuvosa e nublada. Às vezes penso que passamos tanto tempo preocupados em aprender coisas novas, que não notamos que a própria vida é um eterno aprendizado. Já ouviram falar em aprender a viver? Com certeza, sim. Mas aprender a viver de acordo com o quê? Com quem? Com que valores e regras?

No entanto, a figuração de uma existência nunca pode ser encarada como uma coisa menor, pois ela está presente em boa parte dos vôos diários e imprevisíveis alçados em direção ao futuro, que é agora e já não é mais. Impressões que ficam e que, ao se desgrudarem do campo imaterial, repelem todo tipo de benfeitoria e compreensão entre os seres humanos. É o fim. Do começo.

O meio foi raptado e levado para uma terra distante conhecida como “Devagar e sempre”. Pode rir. Isso não vai deixar menos real a história que foi contada naquela noite iluminada, não só pelas chamejantes luzes dos candeeiros, mas também pela infinita Lua. Os elementos foram buscados onde não se acreditava ter mais vida, apenas desesperança. Engano. Mais um dentre tantos dispostos fulminantemente ao longo dos trilhos tristonhos e tensos da vida.

O disparo já não comove mais. Está longe. As pessoas dizem que não tem nada a ver com isso. Nessa hora, o desejo de esganar o infame assassino surge em muitas mentes. O sentimento é humano. Mas amanhã outro e outro e mais outro morre. E continuamos a morrer, como se fôssemos nada.

quinta-feira, 16 de outubro de 2008

Resfolegar

O corpo entra em polvorosa emoção. A chuva vem vindo e é daquelas hein. Vai lavar o espírito dos sujos e elevar a essência dos merecedores. Vai também acalentar os sonhos mais distantes. Sobe um tremendo arrepio por cada pêlo seu e tudo já é possível novamente. Sempre foi. Sempre esteve aqui. Não saí dos recantos da Bahia de todos os povos para nada. Eu quero tudo e mais um pouco. Construir minha própria história e ajudá-lo a construir a nossa. Em conjunto e em comunidade sempre.

Acredite. Essa palavra faz parte do meu vocabulário nos últimos tempos e não se desgruda nunca, nem naqueles domingos morosos e tristes. Nem nesses momentos eu deixei de acreditar no olhar, na vida, nas pessoas, no mundo. Sei que a juventude provoca borboletear diante das ações, das transformações. Mas então eu quero ser eternamente jovem, até meu último suspiro e resfolegar.

Os olhos lacrimejantes são de extrema alegria e contentamento por ver um sonho realizado, por presenciar um balançar especial das mentes, do bairro, da viela, do escadão, do beco, da praça, do parquinho e da pista de skate. A vontade é de sair correndo e colando cartazes para expressar a felicidade plena que senti por curtos momentos, quando tive vontade de apertar o pause do controle remoto e sonhar até dizer chega.

O sonho que se torna realidade e a realidade que se torna menos crua e começa a apresentar nuances e cores menos tímidas e mais provocativas. Tudo vai acontecendo e, de pronto, já está fincado no coração e na alma de todos os que estão na mesma ‘pegada’, na mesma crença. No mesmo barco. Não será possível, é muito forte para que alguém ou alguma coisa consiga apagar o fogo que queima aqui dentro.

Meus dedos, minhas mãos, meu nariz, meu rosto, minha boca e olhos, meus pés e pernas, meu corpo em forma humana, enfim. Ah, o coração e a mente também. Todos não esquecerão jamais toda essa experiência contundente e emocionante que eu vivo com você, com ele, ela, eles e elas. Está marcado historicamente e até onde a lembrança puder rever.

Um filme. É preciso. Urgente. Um filme. Registrar o decorrer do tempo e da nossa história.

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Perversão e Luxúria

Ouviu um barulho de ronco e não se enganou: era seu estômago que roncava de fome depois de um dia estafante de trabalho na lavoura. A enxada provocava calos calamitosos em suas mãos, que mais pareciam uma parede sem reboco. O temor do amanhecer não foi capaz de fazer acomodá-lo na sua finitude de vontades.

Disseram que o humor é diretamente influenciado por aquilo que se come. E as pessoas que não comem ou só avistam um grãozinho de feijão de vez em quando? A chuva não se anunciava no céu ensolarado há mais de seis meses. Esse era o tempo das vacas magras. E das pessoas também. Subnutridas, esqueceram até o que é o prazer de comer.

Não é preciso caminhar muito longe, pois a disparidade e injustiça batem a porta, mais dia menos dia. Crescimento, melhor distribuição de renda. Tudo não passa de mais bananas jogadas aos que não esperavam nada mais, a não ser a triste realidade dura e crua e mal passada dos dias atuais.

Passou da conta e transbordou o copo de pinga. E em seguida entornou a boa idéia de fugir da crueldade impelida para cima de si como se fosse um furação enraivecido pelas burrices que imperam hoje em dia. O Brasil é o braseiro inflamado só em ocasiões muito especiais, disfarçado de fogos de artifício no ano novo repleto de coisas velhas e recobertas de ares de ineditismo.

O pessimismo é tratado como se fizesse parte apenas da imoralidade descomposta de despudor e perversão. Pois eu declaro [mesmo que a fogueira me espere lambendo os dedos em praça pública] que a libido é minha e a mente também. Então, o deleite pelo prazer intenso e carnal não será dispensado como se fosse nada, pois não é. É mentira. Apenas intriga da oposição mal-amada.

Pervertido e luxuriante. Eis a solução óbvia que proponho. E viva a vida!

terça-feira, 14 de outubro de 2008

Amigos típicos

Nos últimos dias meu inconsciente insiste em me colocar diante de despedidas. Os sonhos estão cada vez mais intensos e no outro dia eu lembro de pedaços, o que já é uma grande coisa. Pedaços de pessoas que partem, há muito tempo não vistas, não tocadas e não observadas com a doçura típica dos amigos mais especiais.

Se hoje fosse o último dia da existência humana, o que mais desejaria era botecar com as amigas no Zé. Os sonhos são muito loucos e quando me perseguem dessa forma durante todo o dia me faz ficar com a pulga atrás da orelha. Não é descabido não, eu os levo à sério. Mas é brincadeira como as coincidências não parecem ser coincidências se acompanhadas de um desejo íntimo, secreto e inconsciente.

O mormaço do dia infernal e tão abusado de quente fez com que tudo parecesse desabitado e morto. O silêncio provocou certo comichão e impaciência, pois denotava que lá fora as folhas estalavam ao ser queimadas pelos reflexos impiedosos do senhor Sol.

Masculino ou feminino? Não importa, o extremamente fundamental é a mente fincada no corpo, sem distinção de sexo.

Flexionando as pernas, sentiu e ouviu um ruído interno que reclamava do suor escorrendo pelas faces cheirosas pelo aroma do vento que cobria a pequena vila, destituída de políticos corruptos. Lá era o sonho, a utopia não tornada real. Não era sólida, era apenas uma indicação de inspiração contida em alguma essência espalhada por aí afora.

Durante o sono surgiram estas palavras. Dois pontos. Devem ter alguma ligação comigo e com hoje-ontem-amanhã também. Sei lá. Por via das dúvidas, elas estão aí. Porque aprendi, mesmo que tardiamente, que o amontoado de letras que formam palavras não deve ser reprimido nem minimizado. Então, estão aí de novo.

Fome. Famigerado. Factóide. Ficção. Facção. Faca. Fumegante. Fumaça. Furtado. Fraquejante. Fosco. Fundido. Fustigado. Fresco. Firula. Frutar. Florescer. Festar. Filmar. Fertilizar. Fracionar. Framboesa. Finalizar. Frangalhar. Frisar. Fósforo. Fogo. Facão. Fama. Forma. Fortaleza. Fissura. Frenético. Fogão. Fubá. Fosforescente. Fala. Formoso. Fé.

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

O reconhecimento

Por que eu não me basto? Por que sempre preciso de outro? Por que o vazio momentâneo não pode ser algo bom e aproveitável? Por que os porquês são tão desconcertantes? É preciso uma cara-metade ou apenas metade da cara para ser feliz? O raio de sol ilumina para todos ou é direcionado para aqueles que nasceram com o bumbum virado pra lua? Às vezes desconfio que os dois fizeram um pacto. Mas isso é bobagem da minha cabeça muito imaginativa.

O motivo de todos os questionamentos está nisso: o ser humano que eu sou ou que nós somos, invariavelmente, sem prerrogativas de saber e de possuir. Ninguém é dono de ninguém. É triste quem acha que a posse não será transferida, pois ela será. Tudo é provisório, passageiro e predestinadamente previsível. A crença de que a chegada está cada vez mais distante nos faz abrir um lampejo de felicidade a cada amanhecer, resolvidos a transformar o dia num belo realizar do sonho da noite anterior.

Interrupção necessária e rápida. Não chegou a cinco minutos no relógio atrasado.

A busca parece incansável, mas a minha paciência parece se esgotar assim como as árvores da Amazônia. Eu tenho pressa, o fôlego parece que acabará do dia pra noite. Não sei explicar muito bem, porque o tempo perdido parece cobrar mais ação, mais atividade, mais vida! E apesar da solidão, continuo a cantarolar ao ver sorrisos de crianças.

Como esse abrir de dentes me comove e arrepia até a superfície mais profunda da alma! É impressionante como o olhar pidão de amor me tira do lugar e faz estremecer todo o corpo. Sou nada diante de vocês, minhas belas crianças. Meu belo futuro será pintado por suas grandes realizações. O favor é feito por vocês, não por mim. Continuem a sorrir tão livre e despreocupadamente, pois dessa forma se alimentam de forças para seguir em frente, na lenta e cruel caminhada do crescimento rumo às grandes responsabilidades. Elas também são necessárias, mas vocês são ainda mais.

O meu sorriso ganhou um pouco mais de felicidade e o brilho nos olhos de vocês me fez crer em tudo o que há de mais naturalmente abrasador nos pequenos e singelos detalhes.

domingo, 12 de outubro de 2008

Famosos e o vazio

A fama impede que as pessoas olhem mais para as pequenas coisas. O nariz arrebita e os pequenos prazeres da vida nunca são alcançados. Porque a natureza está ali para ser admirada e reverenciada. Ela é tudo e comanda céus e horizontes. Também o canto dos pássaros e os dissabores necessários e enfáticos na hora de mostrar o que deve ser sonhado e revelado para a humanidade sebenta de velhos desejos.

Como o pensamento invade uma cabeça vazia e desabitada, foi a sua aparição impactante e impaciente, pois tinha pressa de se apresentar para todos, os quatro cantos do mundo tinham sede de ser ouvidos principalmente porque era extremamente inevitável escutar os lamentos e os gritos de felicidade plena de momentos não negados por nenhum ser visível e invisível, discreto e indiscreto, ousado e tímido, sem-vergonha e cheio de pudor. Penduricalhos numa árvore de natal na fogueira de São João.

O poder está nos infindáveis devaneios e veios artísticos. A vontade, mal percebem, é uma indispensável companheira nas soluções das moléstias e chagas disseminadas como pragas nos esqueletos dispostos aleatoriamente e sem nenhum cuidado. Capacitação é apenas um termo utilizado para o que deixou de ser realizado ou planejado. Capacitar a quê? Capacitar a quem? No Paraíso das virtudes, ergueu-se uma grande torre de mentiras e equívocos. Havia árvores do fruto proibido e delicioso. Hum... como era bom e extasiante.

A gente sabe o que nos contaram, mas há outras coisas que já nascemos sabendo. Seria o tal do instinto que sempre falam? Talvez. Mas eu queria chegar a outro assunto, que agora já fugiu completamente como o diabo foge da cruz em noites de lua cheia. Não precisou parar de caminhar para pensar no mundo que o rodeava e expandia para além das montanhas todas as suas ânsias por mais nascer do sol e dias iluminados pela luz própria que habita cada mente brilhante por existir independente e inconformada com a generalidade de estar.

Orientações para direções descabidas e distorcidas por interesses próprios e escusos. Não se trata de produzir, mas de transformar o nada em tudo e a inconsciência em projetos para o presente, que transformem os minutos seguintes, que ainda não chegam a ser futuro, mas almejam ser apenas o hoje destituído de preocupações com o ontem já perdido em sórdidas memórias que existem só para atormentar os corações burros e delineados pela energia e emoção, combustíveis esféricos e empacados na instituição física e psíquica de mim e de tudo.

sábado, 11 de outubro de 2008

Vida óbvia

São Paulos, São Joãos, São Beneditos, São Pedros, São Antônios. São de Nadas e suas imagens só remetem ao vazio que sinto quando vejo a intolerância exposta e, inacreditavelmente, disfarçada de amor ao próximo e compreensão exacerbada. Às vezes rio na cara da hipocrisia, mas em outras tantas me dá vontade de vomitar um tamanho enorme de excrementos e sujeira em cima dela, que parece se encolher imediatamente. Porque nessa hora eu sou Deus, o Deus de mim mesmo, que controla o que sou e o que vivo.

O veneno e o rato. O rato com seu veneno e o veneno de rato a esperar pela decisão fatídica. A decisão seria a derradeira tomada em anos de vida medíocre. Até chegar a esta conclusão trágica e sem volta não foi preciso pensar muito, nem dividir a ansiedade com ninguém, até porque não havia. Essa coisa é muito louca. O que deve passar na cabeça de um suicida? É preciso ter sangue frio ou quente? Não me entenda mal, não quero me juntar ao grupo, são apenas questionamentos de vida ou morte, duas preciosas palavras que nos atormentam sem descanso.

Os elementos estão todos aí e só falta a sagrada e indispensável sensibilidade para percebê-los e fundir todos juntos em divagações intermináveis da mente pura e sádica. É um infinito composto por estudos complexos que fogem ao entendimento rasteiro das implicações e conseqüências direcionadas para quem está desarmado e livre do tiro à queima roupa, resultado do acidente não evitado naquela tarde de céu negro como o breu.

Resmunga um sonzinho de uma música antiga e que esteve nas paradas de sucesso de muitas rádios. Devia ser época do saudoso vinil ainda. Como uma idéia súbita aflorou de repente, ela não se contentou com o fogão e o tanque e foi se emancipar para aqueles lados onde era mal-vista e rejeitada. Não se impressionou e se armou do mais discreto despudor e foi viver a vida que lhe fora negada duas décadas atrás. A escolha agora é ser livre e gozar os prazeres da carne e do mundo. Pobres daqueles que negam a vida e reprimem a felicidade que só eles podem criar.

O protagonismo da existência não deve ser menosprezado nem oferecido a outros, pois somos os atores de nossa própria encenação. Ou pelo menos, devemos ser. Benditos sejam os que descobriram esse dever básico e tão descaradamente óbvio.

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

O eu e a imagem

Ah, deu erro e já não estou com saco. Que raiva. Vou só escrever o essencial:

A imagem do eu é a mesma do tu? A figura retirada da fotografia é o que eu vejo no espelho todos os dias, ou apenas uma representação do que sou?

A idéia faz parte da imagem que tenho de mim mesmo? O julgamento ocular das pessoas é parecido ou totalmente diverso de como me vejo?

E quem não se vê? Como será que faz para criar as imagens e os desenhos? Das linhas e dos contornos já se sabe que são apenas linhas e contornos que delimitam até onde ver e até onde ir.

Ensandecido e fotografado discretamente, não parou na esquina e continuou analisando as caras desvairadas.

Fim. Talvez volte mais tarde. Mas a cabeça dói e o corpo pede arrego e sonha acordado com a cama quente e confortável que o espera daqui algumas horas.

quinta-feira, 9 de outubro de 2008

O fascínio do livro

Outro dia senti o cheiro da minha biblioteca quando ainda era um garoto que sonhava em se reinventar e descobrir o mundo que havia lá fora. Dona Milla, a querida e apaixonante ‘dona’ da biblioteca, sempre me incentivava a ler, me sugeria livros e, de repente, já trocávamos figurinhas de autores e títulos. Tinha dia que não abria e eu voltava para casa com os livros que já havia devorado rapidamente.

Boas lembranças e um período muito importante, que guardo com carinho e teve sua parcela de contribuição no que sou-estou-faço hoje. Naquela época nem percebia o que acontecia, afinal de contas era o presente e agora já estou no futuro: só sentia um tremendo prazer ao abrir um novo livro e me deliciar com aquelas lindas palavras que me alegravam o espírito. Mas que espírito? O meu ué, você não o conhece? Sugiro conhecer. Ele é super gente boa. Às favas com a modéstia.

A aproximação com o outro tornou-se mais fácil, mesmo mergulhando em mundos paralelos e mágicos nunca antes visitados. Tenho a impressão de que essas ações e a troca de imaginações fazem parte de tudo o que escrevo, de tudo o que transformo em palavras dispersas e olhares contundentes. Mas eu tenho uma confissão a fazer: achava uma tremenda balela quando diziam que se podia viajar por esse mundão todo através dos livros. Não sabia como isso podia ser verdade e então aceitei o desafio e fui conferir de perto.

O caminho não teve volta e até hoje eu vivo e respiro livros, acima de tudo. Parece que estaciono quando não estou com nenhum livro na mochila, a transitar para lá e para cá com uma imensidão de idéias borbulhando, nas páginas e nas curvas da minha mente.

Agradecer à minha grande incentivadora já não posso, mas onde quer que esteja [o que é a morte? Alguém aí sabe?] ela deve saber que deixou um serzinho [EU] aqui na Terra e no barro cru que fez muito bom proveito do exemplo mostrado e do presente dado. A porta da biblioteca agora está sempre aberta e volta e meia o cheirinho [que deve ser de algum alvejante ou coisa do tipo] vêm a tona e invade a semente plantada há tantos anos atrás. Ah, nem faz tanto tempo assim. Mas é que minha relação com o tempo é diversa das demais. Depois explico isso melhor.

Às vezes, olho no espelho e vejo muito clara a imagem daquela criança em construção.

quarta-feira, 8 de outubro de 2008

Uma casca de banana

Uma casca de banana. Já perceberam a profundeza que existe numa casca de banana? Experimente olhar fixamente para seus tons e nuances de cores e cheiros: é fenomenal. É claro que é preciso estar disposto a tudo, sem frescuras e com muita capacidade de imaginação. Mas vamos mudar de assunto, antes que os defensores dos chatos pudores reclamem ao Papa.

A maioria das vezes é composta de tudo o que não foi dito nem revelado e motivado por uma força interior astronômica e destrutiva que não deixa respirar nem adormecer por séculos a fio que desfia sem parar toda a teia disposta para os lados esquerdos das gerações passadas e descarnadas de amor próprio subjugado de infinitas possibilidades de olhares e sensações. Dê asas às palavras e veja onde você vai parar, ou melhor, não parar.

Descontrole e possessão. A água resplandecia diante da perplexidade que pairava em rostos disparatados e perdidos em belezas arriscadas e desnorteadas. Era tudo tão confuso que a própria ordem se fazia presente e dizia em altos brados que as fascinações do amanhecer dos dias diziam respeito apenas aos humanos cheios de alegria e respeito à vida.

Inveja é apenas a vontade disfarçada de podridão. A lama foi jogada no ventilador e o fedor se espalhou pela pequena sala lotada de armários e cadeiras e mais janelas do que portas, as quais não davam para nenhuma saída, apenas para outras muitas salas enfurnadas dentro de um prédio despossuído de calor vitalício e gelado.

O caminho de brasas se firmou de uma vez por todas a partir da encruzilhada com dezenas de direções. Era a escolha rindo na cara do destino. Ha-ha-ha...

terça-feira, 7 de outubro de 2008

Tédio e meditação

Aquele parece este dia em que tudo denota um marasmo tão tranqüilo e entediado que até o relógio se contorce de pavor das horas e do percorrer dos ponteiros, mesmo que eles existam apenas imaginariamente. Que saudade da presença física dos pobres ponteiros, que deixava mais clara a urgência das ações e o corre-corre de corpos se debatendo entre si nas ruas infestadas de piolhos e pestes. Eles estão nos lugares menos óbvios.

Despertou do sono dos justos e abriu os olhos para um dia ainda nublado e horripilantemente feio. Sua vontade era de voltar para a cama quentinha e aconchegante. Mas batiam lá fora na janela de forma insistente e insolente. Era a vida cobrando ação e mostrando que mesmo nos dias nublados é preciso levantar e ir debater-se nos cruzamentos empilhados de gente. Uma pessoa estava e andava em cima da outra porque não havia mais espaço. A Terra já era pequena e a viagem para outros planetas ainda não era acessível para todos.

Com os olhos lacrimejando de sono e cansaço, já não podia mais prestar atenção ao essencial do que pulava aqui e ali à sua frente e pedia clemência para que o deixassem em paz com sua melancolia. Queria meditar, meditar, meditar até o seu cérebro começar a ferver por dentro e fazer uma grande fogueira de São João. Mas já passou! E daí? Façamos outras festas, inventemos mais uma, afinal de contas a vida é uma festa e a festa representa a vida insaciável que há dentro de nós.

Tenho medo da auto-ajuda, das palavras de consolo, dos bons conselhos, dos falsos amigos, da maré cheia, do fogo abrasador do sol, do esplendor magnífico da natureza. Tudo isso porque sou só e pequeno, pequeno e despido de mim mesmo diante de julgamentos pérfidos e nojentos. A julgar pelos próprios julgadores o resultado do julgamento não poderia ser outro, mas apenas um só, dentre tantos outros sóis: foram condenados a trabalhos forçados até que conseguissem não apontar o dedo imundo para corações tão puros e leais à essência instalada ali desde os anos mais longínquos.

Falar é difícil, mais complicado ainda é ouvir. Nem todos têm esse dom, essa habilidade, esse arroubo de realização do imprevisto. Não é privilégio, é apenas sucesso daqueles que se propuseram a vencer barreiras que pareciam intransponíveis e puderam ver o mundo de outro ângulo, criando seu próprio panorama, se inserindo de uma vez por todas nesse universo abalável e inacabado de estações passageiras e sentimentos etéreos e eternos.

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

O poeta

A poesia é conquistada ou faz parte dos dons instintivos? O poeta é construído ou constrói a si mesmo? A lua cria o próprio brilho ou ela já nasceu assim? Tudo o que morre nasce de novo para depois morrer e seguir nascendo infinitamente? A ardência faz perceber o quanto há de carne naquilo que será engolido tão rapidamente pelos vermes sem dentes e sedentos de comida fraca e olhos frescos.

A alegria de estar presente e onisciente faz parte de um panorama mais radical e personalizado das vidas perecíveis prostradas diante de altares de boas e vãs promessas.

O cabelo molhado é tão palpável e macio que torna todo antídoto uma fórmula óbvia de renascença e descrença no que é reverberado pelos ouvidos surdos e cegos. As unhas, os dedos, os pêlos, os falares já correspondem ao que foi imaginado e rabiscado no grande caderno dos desenhos não-artísticos e humanisticamente rasgados em tiras toldadas pela escuridão do entardecer tempestuoso.

Eu falo coisas que nem se podiam prever anos atrás, eu penso sem nem saber que estou pensando, sorrio sem ao menos notar o movimento dos lábios em direção a uma sonora e contagiante gargalhada. Mas o mais importante: eu sinto coisas que até o coração duvida, de tão intenso e desabalado que é.

domingo, 5 de outubro de 2008

Sonho socialista, marxista, esquerdista e outros istas...

Um dia eu sonhei que já não conseguia mais me fazer ouvir. Gritava, gritava e discursava com velhos discursos daqueles que ainda têm esperança de mudar alguma coisa nesse mundo tão desconjuntado.

Sim, eu consegui lembrar no outro dia desse meu sonho. Curioso isso. Quase nunca lembro.

Aos meus pés se desenhava uma favela, essa, aquela, não, aquela outra, era uma favela, mas não tinha barracos de madeira, mas ainda assim era uma favela.

Favela, lugar de desprivilegiados, daqueles que nada esperam e de muitos que só esperam, mas que felizmente têm alguns que não esperam e vão à luta, que ainda acreditam na luta, e também no sorriso de uma criança.

Mas eu sonhei! Sonhei que perguntava à todos os moradores daquela favela o que faziam eles levantarem todos os dias para ir trabalhar, apesar de todas as dores, de todo o sofrimento.

“O que mantém vocês de pé ainda?” Não tive respostas, só lacunas, só surdez, só murmúrios.

Lamentos e gritos de acomodados, mas em algum canto, em alguma viela daquele lugar eu ainda pude ouvir um grito de alguém que queria mudar a situação do lugar, levar cultura, levar lazer, levar uma nova perspectiva para aquelas pessoas sem horizonte, esquecidas à própria sorte.

Não, não era época de eleições, não tinha nenhum oportunista segurando crianças no colo naquele momento. Era alguém que já tinha sofrido muito, e que transformou sua dor em luta, em arma contra a exclusão.

No fim do sonho, descobri que não gritava sozinho, que eu podia contar com alguém, que não era só eu que queria mudar o mundo.

A minha voz não estava sendo ouvida naquele momento, mas o grito daquele ser de uma viela qualquer de qualquer favela dessa imensidão de desespero estava sendo ouvido e reverberava nos ouvidos daqueles outros, que naquele momento passaram a tomar consciência pouco a pouco do seu papel e da sua importância para transformar a si próprio e o cenário ao redor.

O sonho não terminou. Continuei e continuo vivendo ele. Podem me chamar de socialista, protetor de pobres e oprimidos, reacionário, marxista, baderneiro, esquerdista.

Eu entendo a necessidade de se criar rótulos. Eu aceito todos eles. Contato que me deixem continuar sonhando com aquela voz transformadora, inquietante e conscientizadora.

E você, quer vir e ouvir comigo essa voz?

ps.: devaneios inspirados em algum tempo atrás [ou à frente] quando a sensibilidade esperançou grandes mudanças.

sábado, 4 de outubro de 2008

Hoje

Papéis e objetos que são apreendidos e observados com muita atenção e interesse nunca podem ser transmutados e traduzidos em emoções, pois eles são uma espécie de documentação e fazem parte das regras e obrigações impostas por nós e pelos outros. Ah, os outros, esses seres quase sempre inomináveis mas tão presentes quanto a ventania que bagunça nossos cabelos e nos tira de nossos corriqueiros e confortáveis lugares.

O auto-retrato foi composto por arroz, feijão e muita carne, muita carne. E também tinha ossos, tadinho, era tão magro, tão magro que todos pensavam que não havia comida em sua casa. Mas o que tinham a ver com isso também? Cada um por si e o famoso Deus por todos. Este é o consolo, espere sentado para não cansar e sempre haverá alguém fazendo por você, movendo as palhinhas, movendo as marionetes lá de cima. É isso aí, se conforme e não viva. Desperdice os poucos e frágeis anos que tem pela frente, afinal de contas, a vida foi feita para ser acorrentada, ou não?

O abandono é a pior das ações. Dos outros também, mas principalmente de si mesmo. Uma vez, vi uma mulher totalmente despida de seu próprio eu, de sua própria vontade, de suas próprias emoções e afetos. Ela era mais um ser andante por esse mundão perdido e perdedor de almas. Mas o que é a alma senão um amontoado de energias dispostas aleatoriamente num espaço físico que não se pode quantificar e delimitar?

O poder emana dos poros mais entupidos que possa existir. Pelo menos, era assim que ditava a velha utopia que costumava impregnar nas mentes mais esperançosas e sonhadoras. A diferença estava no porte ser legal ou não, permitido, liberado, atravancado ou comungado por meias palavras que não conseguiam transmitir o absurdo que é viver. Mas como é bom este absurdo, um dos absurdos mais lindos e intensos que já vi e senti.

sexta-feira, 3 de outubro de 2008

Reencontros

O inesperado pode acontecer quando muito se espera, mesmo que seja inconscientemente. As pessoas passam muitas e muitas, mas depois elas podem voltar, de uma hora para outra, com muitas novidades, com novas vidas, experiências, sonhos, ideais.

O passado é estampado no velho rosto que significa toda uma amizade, um tempo com alegrias e desalentos. Realizações talvez, mas apesar de tudo essas pessoas ficaram de alguma forma, fizeram diferença. Quase ajudaram a ceder o silêncio que se abatia sobre a minha boca e emoções. Naquela época, o olhar era triste e vago, como tudo o que habitava no corpo. Porém, como ninguém consegue sobreviver assim como um gato sem dono, era preciso criar contentamentos.

Alguns contribuíram: uns com muito desajeitamento, outros sem saber ao certo que ação estabelecer para furar o bloqueio que havia. Muitos pensamentos passaram de relance, muitas lembranças voltaram à tona, mas o melhor mesmo foi perceber que o tempo é implacável e que ele não quer nem saber: ou você vive ou ele te engole com toda sua característica pressa.

Dedico estas palavras a tudo aquilo que já foi, mas que de certa forma ainda é, pois permanece alterável e suscetível às mudanças de anseios. Com seu desajeito engraçado e inocente, como se nunca tivesse deixado de ser criança, disse: “Li umas coisas do Dalai Lama e descobri que passamos muito tempo preocupados com o futuro e esquecemos de viver o presente”. Ao ouvir isto, lancei um olhar e comuniquei sem palavras toda a minha gratidão por compartilhar aquilo comigo.

Terno encontro e reencontro. Em cada um deles, a surpresa de descobrir uma nova faceta nunca antes explorada.

O destino são escolhas incessantes tomadas a cada piscar de olhos.

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

O caso das bolsas

Quem foi que trocou as bolsas? Quando? Foi um sonho? Não me lembro! A pergunta me martelou insistentemente no começo da tarde de hoje, mas até agora o enigma permanece tão misterioso e desconhecido quanto a face nunca vista nem tocada pelos mares e maresias de pecados contestados nos tribunais de excepcionais expurgos.

Um mundaréu de opiniões e opções se adensa velozmente, competindo com o desejo ininterrupto de dizer tudo aquilo que não foi dito, renegado às reprimendas bobas de um ser que sonhava ser elevado ao mais puro das moradas celestiais e desregradas.

Inconfesso. Essa palavra insistiu em sair desde o começo. Não pude mais segurá-la, conter a sua vontade própria de se criar e se jogar no mundo, de se transformar em algo concreto e passageiro. Porque ela nasceu e morreu ao mesmo tempo, num rápido instante que nenhum cronômetro de toda a face da Terra poderia captar.

Quantificar é separar através de baias tudo aquilo que pode ser misturado e devaneado em conjunto, em rodas, em cantigas. Em cirandas ficou ferozmente incandescido de luzes estelares e repentinas. Tudo era um repente estranho e desajeitado, um momento do não-momento, do não-tormento, do não-alento.

A frondosa fronte fresca fundiu-se ao fatal destino destampado do desejo dilacerado e endiabrado no corpanzil corcovado diante de dados e destinos. Cidade.

Ah, até o presente instante não faço a mínima idéia de como resolver o mistério das bolsas.

quarta-feira, 1 de outubro de 2008

Mais uma fantasia

Parece mentira, mas é tão real quanto às percepções construídas em relação ao mundo externo e controverso. O fato é que eu mergulho em mais uma de minhas fantasias, gostosas e enganosas, cheias de expectativas e medos. Medo do incerto e da decepção.

Mas para quê que se vive? Para ficar se escondendo num monte de receios e não-me-toques?

Não! Eu quero a vida, mesmo com todo os seus tapas e cuspidas. Pode cuspir e debochar. O meu deboche será ainda maior, em cada levantar e prosseguir viagem. Só assim poderei sentir dever cumprido para alcançar não sei o quê, não sei para quê. Só sei que é preciso alcançar e que nunca saberemos o que é buscado, o que está no fim da outra ponta do arco-íris.

Plint. Splot. Desliga. Dorme.

Só não ronque.