domingo, 25 de janeiro de 2009

Andarilho

São apenas e tão somente 455 anos. Pouco para uma cidade tão densa e complexa como a nossa. Com suas curvas, arranha-céus, vielas, periferias, centros, casarões, desigualdades, correria, pobreza, riqueza, contrastes, coloridos. Com o seu cinzento inquietante, ela vai construindo a hitória de muita gente e a sua própria. Vai armazenando formas de ser e permanecer. Mas nunca consegue permanecer em um único lugar. Pois ela é constante. A palavra transformação já perdeu o seu significado e daqui a pouco passará a chamar-se São Paulo. Escuta o que estou dizendo.

Mas são as crianças que me comovem e me inspiram constantemente. Seus sorrisos. Seus gestos singelos. Seus olhares inocentes. Assim como eu. Pretensão me comparar às crianças? Talvez. Mas entre eu e elas existe uma ligação tão forte que é tão natural e ao mesmo tempo estranha. Não é preciso fazer muita coisa. Simplesmente pareço ter mel quando chego perto delas. Outro dia mesmo estava brincando de esconde-esconde com uma delas. Pode uma coisa dessa? Pode. E como pode. Foi tão divertido, mesmo ela não sabendo se esconder direito. Eu sempre a achava com facilidade. Naqueles instantes eu só tinha quatro anos também. Voltei no tempo. No tempo que ficou guardado dentro de mim e talvez seja o meu grande tesouro. Não digo aqui de ficar relembrando e vivendo de passado, mas de guardar aqueles momentos que foram essenciais e inesquecíveis. Somos a soma de tudo isso.

Ah, o garotinho me olhou do trem que acabava de sair da plataforma. Ele ia no sentido contrário ao meu, mas ainda assim estávamos intimamente ligados, sem mesmo ter trocado uma palavra sequer. Apenas olhares tímidos. Ele devia ter, no máximo, uns sete anos. Naquele fugaz relâmpago [mais tarde começaria a chover] fomos bons e grandes amigos. Mesmo que o sorriso não tenha saído desabrido como costuma sair nestas ocasiões, ele entendeu que eu correspondi sua vontade de firmar uma amizade. Fomos amigos. Somos amigos. Levou uma parte de mim. Um pedacinho seu ficou aqui.

E o povo deste lugar, onde está? Em casa. A TV. Assistindo. Quem os assistirá? Até quando serão figurantes de seus próprios destinos [mesmo que eles existam só dentro de nossas cabeças]? Até quando o tempo será gasto na preocupação de não se molhar enquanto chove torrencialmente? É preciso tomar banho de chuva de vez em quando. É tão bom. E a vida é tão vulnerável. Amanhã já não sei se sou ou serei. Então banhe-se com o dilúvio puro e caiba em si mesmo de tanta felicidade.

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