segunda-feira, 8 de setembro de 2008

Transe-e-unte

A gargalhada estrondou lindamente e todos tiveram vontade de rir igualzinho, com o mesmo poder e força de um inocente anjo do sexo feminino. Ou masculino? Ou travesti? O curioso é que ela se desencadeou de tal forma que foi impossível conter a alegria geral que se espalhou pela cidade iluminada pelo céu nublado e faiscante de chuviscos.

Espreguiçou e soltou um grunido parecido com o de um urso que hibernou durante dias a fio sem notar que o mundo corria e a neve ainda caía lá fora. O espectro se aproximou e sentou-se ao seu lado sussurrando-lhe ao ouvido: ‘vá e não volte, volte sem ir, o direito de vir e ir já não lhe pertence’. Seu cachorro latiu e o despertou de vez para o sonho daquela manhã florida e primaveril.

Vilões estavam espalhados por todos os muquifos por onde passava. Os botecos dos arredores estavam apinhados de gente, mas as cervejas esquentavam em todas as mesas, pois todos pareciam adormecidos, e esqueciam de que estavam num espaço onde nada pára e tudo é alucinadamente proporcional à ambição ambulante que esmaga qualquer possibilidade de redenção.

Os urubus sobrevoavam o alto dos prédios enfaixados e doentes. Eles queriam comê-los, dilacerá-los, mas sua carne não foi muito apreciada e fugiram a toda velocidade para outro matadouro de sonhos. Quem sabe em algum beco do lugar perdido na estrada íngreme e cheia de pedregulhos que quase impediam a passagem dos transeuntes? Transe e unte bem. E depois não diga que eu não avisei, pois quem avisa não tem o que fazer. Ha-ha.

Ao toque do sino, o menino pequenino correu para debaixo da saia de sua mãe e se esquivou do vento gelado que afligia os mais sedentos corações cheios de dúvidas e fraquezas. A poesia não foi suficiente para aplacar a fome de parar e ficar a observar as palmeiras avistadas ao fundo do poço onde iam buscar água todo dia. Os excrementos não tinham destino, eram levados ao bel-prazer do destino inibidor de meias-palavras, meios-tons, meias-conversas. Era tudo por inteiro e havia muitos absurdos mutilados.

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